Também os religiosos ficarão em prisão comum, segundo prevê o projeto de lei aprovado em comissão do Senado
Pela proposta, só terão direito à cela especial ministros, governadores, prefeitos, delegados e juízes, por "segurança"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os portadores de diploma de nível superior, religiosos e cidadãos condecorados com a Ordem Nacional do Mérito poderão perder o direito à prisão especial, segundo projeto de lei aprovado na última quarta pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
A proposta, porém, mantém o benefício para autoridades como ministros, governadores, prefeitos, promotores, juízes e delegados. A justificativa é que, nesses casos, a medida é necessária por questão de segurança.
Como ocorre atualmente, a prisão especial continuará valendo até a condenação definitiva do acusado. Depois disso, ele deverá ser transferido para uma cela comum.
Pela lei em vigor, a prisão especial prevê o recolhimento do suspeito em um prédio que não seja a prisão comum, quando disponível. Se não houver um estabelecimento específico para o preso especial, ele será colocado em uma cela separada na prisão comum.
Segundo a lei federal 10.258, de 2001, a cela especial poderá ser um alojamento coletivo, com "aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana". A mesma lei prevê que o preso especial não pode ser transportado com o preso comum.
Tramitação
O projeto de lei terá ainda que ser aprovado pelo plenário do Senado. Como o projeto original foi alterado no Senado, com a inclusão da restrição à prisão especial, deverá voltar para a Câmara dos Deputados. Para entrar em vigor, terá ainda que ser sancionado pelo presidente da República.
Além das novas regras para prisão especial, o projeto de lei estabelece outras mudanças no Código de Processo Penal, de 1941. Entre elas está a imposição de um limite de 180 dias para a prisão provisória antes de cada julgamento de primeira e segunda instância.
A regra não vale se o magistrado entender que a demora se deve a uma estratégia da própria defesa do acusado. Hoje, a lei não estabelece nenhum limite para a prisão provisória.
O Brasil tem 131 mil presos nessa condição, de acordo com relatório de junho de 2008 divulgado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o mais recente. O número corresponde a 34% da população carcerária do país.
Os presos provisórios deverão também ser separados dos demais. A atual redação do Código de Processo Penal prevê que a medida terá que ser aplicada "sempre que possível".
Mudam também as condições de pagamento de fiança. O texto estabelece a possibilidade de ela ser substituída por monitoramento eletrônico do condenado. A medida já vale em São Paulo, onde foi transformada em lei no ano passado.
O projeto de lei foi enviado ao Congresso em 2001 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele é fruto de propostas elaboradas por uma comissão de especialistas composta por nomes como os professores da USP Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Miguel Reale Júnior.
O ministro Tarso Genro (Justiça) disse ontem considerar a medida correta, mas afirmou que ela tem que vir acompanhada de melhorias no sistema prisional.
CONTRA
Criminalista diz não ver privilégio em prisão especial
DA REPORTAGEM LOCAL
É errado acabar com a prisão especial para quem tem diploma de ensino superior, na visão do advogado criminalista Tales Castelo Branco. Ele opina que talvez ela não fosse necessária caso o sistema prisional brasileiro fosse eficiente e seguro.
FOLHA - O sr. é a favor ou contra a prisão especial para quem tem diploma de ensino superior?
TALES CASTELO BRANCO - Sou a favor, porque é uma forma de preservar uma pessoa que dedicou a vida aos estudos, fazendo um esforço para conseguir um diploma superior e que, no presídio, não deve ter rebaixada sua condição intelectual, tudo isso tendo em vista os rigores dos presídios atuais, a falta de segurança, a incapacidade do Estado de garantir a integridade dos presos. Não vejo isso como um privilégio. Se o sistema fosse mais eficiente, acredito que não seria preciso.
FOLHA - É a favor da cela individual?
CASTELO BRANCO - Sim. Mas também não acho que tenha que ser um hotel cinco estrelas. O preso não pode ir para uma sala de estado-maior.
FOLHA - E quanto à diferenciação em razão do cargo exercido?
CASTELO BRANCO - O problema é muito em razão da profissão que a pessoa exerce. De um modo geral existe um sentimento de vingança quanto a determinados profissionais. Que tal seria ficarem presos no mesmo presídio o advogado acusador e o réu? O preso pode também querer se vingar de um advogado qualquer porque tem raiva de outro advogado.
FOLHA - E prisão especial para ocupantes de cargos políticos?
CASTELO BRANCO - Sou a favor. Porque, de um modo geral, há um sentimento de idiossincrasia em relação aos políticos.
EM TERMOS
Ex-presidente do IBCCrim defende benefício para PM
DA REPORTAGEM LOCAL
O tratamento diferenciado em razão do diploma precisava acabar porque gera uma distinção grande no sistema carcerário, segundo o professor de direito penal Maurício Zanoide de Moraes, que é ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Ele, contudo, defende a separação para profissionais como policiais militares, mas é contra direitos especiais justificados apenas pelo cargo, no caso de políticos.
FOLHA - O que opina sobre a decisão da CCJ?
MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES - A prisão especial dá ideia de qualidade de pessoa e precisava acabar porque gera uma distinção muito grande dentro do sistema carcerário. Esse tipo de prisão só vale enquanto a pessoa ainda não foi condenada. O que o sistema carcerário deveria ter são locais apropriados a esse tipo de acolhimento. Isso não quer dizer "celas individuais", mesmo porque os presos que ficam em celas assim depois se encontram no pátio.
FOLHA - E quanto à diferenciação por cargos?
MORAES - Quanto aos policiais militares, por exemplo, o cargo justifica que ele fique em local separado, não "especial". Juízes, defensores públicos também são profissionais que devem ser segregados. Em razão de sua atuação, é um erro não haver um local separado para aguardarem julgamento.
FOLHA - E os outros cargos com direito à prisão especial?
MORAES - Só o cargo não justifica. Dar um direito especial a alguém porque é vereador, sem que essa pessoa tenha um risco de permanecer em presídio não separado é uma característica dos políticos brasileiros de tomarem as decisões beneficiando a si próprios.
A FAVOR
Modelo atual é exagerado, diz professor da USP
DA REPORTAGEM LOCAL
Para Antônio Scarance Fernandes, professor titular de direito penal da USP e autor de livros sobre o tema, a CCJ do Senado está correta em aprovar a medida porque a prisão especial, da forma como estava desenhada, era "exagerada, criando uma distorção". Ele integrou a comissão de juristas que fez propostas utilizadas na elaboração do projeto de lei.
FOLHA - Como o sr. vê a decisão?
ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES - A prisão especial, do jeito que ela estava, realmente estava exagerada. Criando uma situação especial para determinadas pessoas sem razões que justificassem. Todos terem direito por causa do diploma universitário não tem sentido.
FOLHA - E quanto à permanência para determinadas categorias profissionais?
FERNANDES - Acho justo, principalmente quando há razões que justifiquem. Magistrados, por exemplo, decretam prisões preventivas, que condenam as pessoas. Então, acho que é necessário um resguardo, até em razão da integridade física da pessoa. Acho bem razoável quando há uma situação assim.
FOLHA - E quanto a membros do Executivo e do Legislativo?
FERNANDES - São pessoas que podem acabar gerando desvantagens aos outros em razão das medidas que são obrigados a tomar. Quanto ao governador, a grosso modo, a própria administração penitenciária está subordinada a ele.
FOLHA - A falta de segurança nos presídios tem peso na sua opinião?
FERNANDES - Acho que o risco para um juiz é muito grande. As organizações criminosas aumentam esse risco, mas ele já existiria independentemente delas, pois está ligado à área de atuação dos profissionais.
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