domingo, 16 de agosto de 2009

DEMOCRACIA NAS FAVELAS

RIO - Levar Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) para as favelas da cidade onde cerca de 1,3 milhão de pessoas vivem ainda subjugadas às ordens de traficantes e milicianos custaria entre R$ 90 milhões e R$ 340 milhões por ano. Na ponta do lápis, o gasto é bem inferior aos benefícios que a medida poderia gerar a médio prazo. Na avaliação de especialistas, só o ganho no PIB municipal poderia chegar a R$ 38 bilhões. A estimativa das despesas com as UPPs foi feita pelo GLOBO a partir de dados da própria Secretaria de Segurança. Em média, seriam necessárias 77 UPPs, a um custo anual de R$ 214 milhões, ou seja, um pouco mais de um milésimo do PIB do município.
Não é muito. Os números permitem outras análises. Comparada ao orçamento geral do estado, a despesa anual média com as UPPs representaria apenas 0,4%. Em relação ao orçamento da Secretaria de Segurança, não passaria de 5%. Os cálculos dos gastos foram feitos, porém, sem levar em consideração as despesas iniciais de instalação, de treinamento de pessoal e compra de equipamentos. Também não foram consideradas as peculiaridades de cada favela ocupada. Dependendo da complexidade da área, as despesas com as UPPs podem oscilar entre R$ 70 milhões e R$ 270 milhões.

- A diversificação é imensa e há inúmeras variáveis. No Santa Marta, no Chapéu Mangueira e na Babilônia, você faz tudo a pé. Ao contrário do que ocorre na Cidade de Deus, que tem vários acessos e é cortada por uma via expressa. Lá, precisa-se de carros. Já para ocupar a Rocinha, são necessários motos e policiais a pé - exemplifica o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.

Qual o grande desafio da cidade do Rio de Janeiro com relação a segurança das favelas?

Para calcular os investimentos necessários ao projeto no futuro, O GLOBO considerou dois cenários. No primeiro, adotou como base a relação de 106 moradores por PM - a mesma usada pela Secretaria de Segurança para planejar uma possível ocupação do Complexo do Alemão, onde vivem cerca de 85 mil pessoas. Para lá, a ideia é deslocar 800 policiais, por se tratar de uma área de conflagrada. Nessa hipótese, os gastos são maiores e alcançariam, para todas as UPPs, R$ 340 milhões por ano.


Um segundo cenário envolveu um cálculo diferente. Foi usada a relação de um PM para 405 moradores, média atual aplicada nas cinco favelas com UPPs. A conta saiu mais baixa para o estado: R$ 90 milhões anuais.

Além disso, em relação ao efetivo usado, também é preciso levar em conta outros aspectos, como a proximidade entre comunidades de um mesmo complexo. Nesses casos, ocorre uma espécie de "efeito osmose", em que a presença policial na favela vizinha automaticamente provoca um afastamento de bandidos do local, sem a necessidade de mobilização de tropas. O poder bélico da facção criminosa e até a topografia influenciam na estratégia para instalar uma UPP.

- Hoje, estudamos tudo que circunda uma favela. Até se uma bala de fuzil sair de determinado local do Chapéu Mangueira, sabemos agora aonde pode chegar na praia - diz Beltrame, acrescentando que os relatórios de inteligência mapearam todas as bocas de fumo e ainda as "esticas" no asfalto.

Como uma onda, os investimentos em segurança podem fermentar a economia da cidade. O presidente da Associação Comercial do Rio e da Light, José Luiz Alquéres, estima que o PIB da cidade engorde de 20% a 30% com o controle das áreas hoje dominadas por traficantes e milicianos. Em cifras, isso significa algo entre R$ 25,4 bilhões e R$ 38,1 bilhões, levando-se em conta o PIB de 2006 (último disponível), de R$ 127 bilhões.

- Para isso, é preciso vencer os desafios de dar a todas as favelas titularidade dos imóveis e infraestrutura social e urbana, incluindo segurança. A questão da titularidade tem que ser encarada de frente. Se o valor dos imóveis já triplicou nas comunidades com UPPs, imagina como isso ficaria com a titularidade? - diz ele.
Economista: 'Vivemos um momento raro'

Economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), André Urani acredita que o potencial econômico vai mais além e define o fenômeno como "choque de riqueza":

- Além do crescimento do PIB, que mede o fluxo de riqueza, o estoque imobiliário existente aumentará de valor. Vai ter paulista querendo vir morar aqui, americano aposentado trocando Miami pelo Rio.

Para isso, no entanto, diz Urani, é preciso coesão de esforços:

- Vivemos um momento raro, em que há diálogo e uma aproximação entre as diferentes instâncias de governo, sociedade civil e a iniciativa privada. Existe boa vontade, mas falta articulação. A pacificação, por exemplo, não está nas comunidades com PAC ou Favela-Bairro. Para ter eficácia e escala, é preciso juntar agendas.

Entre otimistas e céticos, Beltrame prefere ser realista sobre o momento vivido pelas favelas ocupadas e a possibilidade de uma plena democracia nesses lugares:

- O que criamos foram as condições necessárias para que isso (democracia) se desenvolva. É um processo lento e gradual.


Honestidade à prova: 'Quanto vocês querem para deixar o tráfico voltar?'

RIO - A pergunta, feita por um bandido a um policial de uma das UPPs recentemente inauguradas, mostra o tamanho dos desafios da ocupação nas comunidades. O assédio de traficantes começa a aparecer.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, já tinha ideia de que a proposta dos bandidos surgiria nas favelas pacificadas:

- Os policiais das UPPs têm consciência de que o poder paralelo usaria esse artifício para retomar territórios.

Na opinião da coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Silvia Ramos, os policiais das UPPs aparentam estar preparados para resistir à tentação:

- Eles são a elite da PM. Se os moradores souberem que estão recebendo propina do tráfico, ficam desmoralizados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário