A ordem para os ataques contra policiais e para atear fogo a ônibus partiu de integrantes da facção criminosa denominada Comissão da Paz (CP), que cumprem pena na Unidade Especial Disciplinar (UED) - prisão estadual de segurança máxima, localizada dentro do Complexo Penitenciário da Mata Escura. A informação foi confirmada por um membro do alto escalão da Secretaria de Segurança Pública (SSP), que preferiu não revelar a identidade. Os ataques foram determinados, através de celular, por dois comparsas do bandido Cláudio Eduardo Campanha da Silva, 37 anos, em retaliação à transferência dele para o presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
O serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Pública interceptou ligações telefônicas de dois líderes da Comissão da Paz (CP) que estão presos na UED, ordenando que integrantes da quadri lha atacassem policiais. A ordem foi dada por Campanha pouco antes de ele ser transferido, garante o policial que não quis revelar o nome. “Vocês já sabem o que fazer”, teria dito o bandido para um companheiro de cela, momentos antes de ser levado para o presídio de Campo Grande. As escutas telefônicas feitas pela SSP com autorização judicial flagraram os bandidos organizando as armas e os carros que seriam utilizados nos ataques.
Líderes
A polícia já identificou os prisioneiros que determinaram os ataques de dentro da UED, mas a reportagem do CORREIO não teve acesso aos nomes. Na Unidade Especial Disciplinar existem dezenas de bandidos ligados à Comissão da Paz, mas os principais líderes são Renildo dos Santos Nascimento, 26 anos, o “Aladim”, Kléber Nóbrega Pereira, “Kekéu” e José Henrique de Souza Conceição, dentre outros. Hierarquicamente, todos abaixo de Campanha dentro da CP.
A ordem dos ataques estão sendo cumpridas por arraias- miúdas da organização criminosa que estão soltas, já que os grandes líderes estão presos ou mortos, exceto César Dantas Rezende, o César Lobão, ainda foragido. Uma prova de que os ataques estão sendo praticados por bandidos inexperientes são os dois criminosos mortos em confronto com a PM: um tinha 18 anos e o outro, 19.
Informações
O serviço de inteligência já sabia que ocorreriam os ataques contra policiais militares por causa das escutas telefônicas. Os agentes conseguiram saber com antecedência até as placas e os modelos dos carros que seriam usados nos ataques. As informações foram repassadas para o comando geral da Polícia Militar, mas nenhuma ação preventiva foi praticada pelo alto escalão, contou o policial.
A assessoria da imprensa da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), responsável pelos presídios estaduais, respondeu que a Superintendência de Assuntos Penais desconhece a informação de que escutas telefônicas flagraram que a ordem para os ataques partiu de presos da UED. Já o advogado de Cláudio Campanha, o criminalista Antônio Glorisman dos Santos, questionou como seu cliente poderia ter ordenado o ataque, já que está totalmente isolado no presídio de segurança máxima de Campo Grande.
O secretário de Segurança Pública, César Nunes, disse, durante coletiva para a imprensa, na terça-feira (8) pela manhã, que a polícia está investigando se as ordens para os ataques partiram de dentro do sistema prisional. “Se houver outros presos envolvidos, também vamos transferi-los para presídios de segurança máxima”, assegurou Nunes.
Ataques
Nos dois dias de ataques, a Secretaria de Segurança Pública contabilizou seis módulos policiais atacados, três PMs baleados, além de seis ônibus queimados e duas tentativas de incendiar coletivos. Dois PMs também foram alvos de disparos, quando trabalhavam num mercado da Cesta do Povo do bairro de Alto de Coutos.
O ataque mais violento ocorreu na segunda-feira. Por volta das 6h cerca de dez bandidos fuzilaram o módulo policial situado dentro da Estação Pirajá. No atentado, o sargento Israel Conrado foi baleado nas duas pernas, enquanto o soldado Uelinton dos Santos foi ferido de raspão na cabeça.
Facção criminosa surgiu nos anos 90
Jairo Costa Júnior
A Comissão da Paz, uma das maiores facções criminosas da Bahia, surgiu no início dos anos 90, na Penitenciária Lemos Brito (PLB), em Mata Escura, com a chegada do sequestrador e traficante Mário Carlos Jezler da Costa. Integrante da Falange Vermelha, que deu origem ao Comando Vermelho, ele aprendeu nas cadeias do Rio a controlar os presos. Naquela época, os grupos eram dispersos e tinham como hábito a “ciranda da morte”, na qual sorteavam quem iria morrer para controlar a superpopulação carcerária.
“Os detentos matavam-se mutuamente. O Mário Carlos mudou isso. Organizou o pessoal e, a partir da ideia dos presídios cariocas de que era preciso união para reivindicar melhorias, fundou a Comissão da Paz, a CP”, conta uma fonte que pertenceu à facção no Complexo Penitenciário do Estado.
Durante quase dez anos, Mário Carlos, sequestrado e morto em 2 de julho deste ano, se manteve no comando da CP. Mas, após cumprir pena de 15 anos, o controle foi disputado entre vários líderes do complexo. “O elo se rompeu com a ida de ‘Perna’ (Genilson Lino) para a PLB. Ele se tornou inimigo da CP, que teve vários outros comandantes depois”, relata a fonte.
Contudo, a facção cresceu bastante e se consolidou após a ascenção de Ebérson Santos Silva, Pitty, morto em 2007. Mas o racha já havia provocado uma divisão no sistema carcerário do estado.
O Presídio Salvador e a maior parte das unidades do interior ficaram sob controle da CP. A PLB é comandada por Perna. Entre as ações da CP, estão as rebeliões de 2002 (na qual morreu uma agente carcerária), 2003 e 2008, na qual reivindicavam retorno de regalias, como mais dias de visitas, permissão para receber alimentos de fora e, a maior das exigências, impedir a permanência de líderes na Unidade Especial Disciplinar (UED).
“Eles controlam também o tráfico de dentro da cadeia, ordenam execuções e são responsáveis pela guerra por bocas-de-fumo com a facção de Perna”, acrescenta a fonte. Hoje, seus principais líderes são: Claudio Campanha, Renildo Nascimento, o Aladim, e Val Bandeira.
‘Forma de atuar é semelhante à do PCC’
Luana Rocha
Enquanto iniciativas de caráter social não forem feitas para combater o tráfico, é uma questão de tempo para que haja um crescimento do crime organizado na Bahia, podendo atingir proporções como no Rio ou em São Paulo. A afirmação é do professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Jorge Silva, especialista em segurança pública. “Na Bahia, estão seguindo a mesma lógica do Rio. Se investe em policiamento, mas o contexto social é ignorado. Achar que as pessoas vão parar de usar drogas porque aumentou o policiamento é bobagem”.
Esse é o mesmo ponto de vista de Heloniza Costa, coordenadora do Fórum Comunitário de Combate à Violência (FCCV), ligado à Ufba. “A Bahia tem muita desigualdade. Essa forma de atuação que estamos vendo desde segunda-feira é semelhante à do PCC. Isso quebra o paradigma de que violência dessa forma só existe em São Paulo e Rio e a tendência é que isso cresça”, disse a professora.
O Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do país, surgiu em 1993, dentro dos presídios paulistas. Segundo a doutoranda em sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Camila Nunes, a influência do PCC atingiu vários estados, incluindo a Bahia. Isso, segundo ela, justificaria a semelhança das ações que aconteceram em Salvador com outras realizadas pelo PCC. “A migração dos membros do PCC para outros estados, ao perceberem que existe um nicho para eles agirem, ou através de transferências para outras prisões, é a forma que a influência dos criminosos chega a outros locais”, diz.
Em 2006, o PCC protagonizou uma das maiores ações criminosas organizadas da história do país. Durante oito dias, foram contabilizadas, oficialmente, 154 mortes, sendo 24 PMs, 11 policiais civis, nove agentes penitenciários e 110 civis - 79 deles com suspeita de ligação ao PCC. Na época, o motivo dos ataques também foi a transferência dos principais líderes da facção para presídios de segurança máxima, com a diferença de que lá foram 756 presos removidos.
Crime organizado nasceu nas prisões do Rio de Janeiro
A Comissão da Paz (CP) é o “filho” nordestino de um fenômeno que surgiu no Presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, entre o fim da década de 60 e o começo dos anos 70. Naquela época, Ilha Grande era o principal destino dos presos políticos que atuavam contra a repressão da ditadura militar.
Misturados aos presos comuns - as saltantes, criminosos e homicidas -, os “subversivos”, como eram chamados os militantes da esquerda, ensinaram aos colegas de cárcere princípios das guerrilhas, como organização e clandestinidade. Assim, foi fundada a Falange Vermelha, que funcionou no início para reivindicar melhorias no presídio. Já organizados, criaram o Comando Vermelho, que serviu de base para várias outras facções do crime organizado. Um dos fundadores foi o traficante Rogério Lemgruber.
Advogado diz não saber de ligações de Campanha com a CP
O advogado Antonio Glorisman dos Santos, que defende o traficante Cláudio Campanha, disse desconhecer que seu cliente seja o principal líder da facção Comissão da Paz (CP) e que também desconhece a existência do grupo. “Mas qualquer coisa que tenha paz no nome deve ser uma coisa boa”, ironizou.
Glorisman disse ainda que só soube da transferência de Campanha na quinta-feira - dia em que o traficante foi levado, em operação sigilosa, para o presídio federal de Campo Grande (MS). “É fácil falar que Campanha é isso ou aquilo, que é ligado ao PCC (Primeiro Comando da Capital, que atua nos presídios de São Paulo). Eu quero ver é provar”. Para ele, não havia motivos para a transferência. Glorisman assegurou ter provas de que Campanha era considerado um preso de bom comportamento.
(Notícia publicada na edição impressa do dia 09/09/2009 do CORREIO)
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