sábado, 21 de fevereiro de 2009

Pensadores em segurança pública: uma necessidade

O país enfrenta as conseqüências das atitudes realizadas no passado, no caso específico da segurança publica, pode-se citar a necessidade de pessoas que pensem nesta de uma forma ampla, como já dizia o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa “não temos pensadores em segurança pública”.

Quando fala-se de segurança pública sempre associa-se a idéia de polícia e não podia ser diferente visto que a própria constituição atrela tal direito veementemente às polícias ao afirmar que a segurança publica será exercida através dos seguintes órgãos, citando na seqüência as instituições policiais. O que precisa-se perceber é que para ser melhor exercida faz-se necessário estratégias que só podem ser planejadas a partir de um estudo consciente e embasado da realidade.

Planejamento este que deve ser feito por pessoas que se dediquem ao estudo da segurança nacional, pessoas que tenham conhecimento teórico abrangente e consigam perceber a multiplicidade de instituições que formam um liame direto com a segurança publica nacional. Ou seja, necessita-se de pensadores; de pessoas que doutrinem a respeito, que expressem através de suas palavras o resultado de suas pesquisas, de suas interações tanto com outros pensadores como com o meio em que vive, que esbocem o próprio conhecimento de modo a transmitir informações a sociedade e aos agentes diretos da segurança, que como já falou-se anteriormente, está a cargo das polícias.

Esse assunto, felizmente já foi percebido e amparado por algumas políticas públicas que proporcionam aos aplicadores da lei certa habilitação na área com o objetivo de integrar o conhecimento à vida prática dos policiais. Essa habilitação é materializada através de especializações em segurança publica, o que de fato é muito bom se não fosse pela aceitação de qualquer graduação como pressuposto para iniciação do curso. Evidentemente não se quer aqui desprezar os motivos que levam a tal aceitação, mas tão somente observa-los como mais uma forma de, popularmente falando, “tampar o sol com a peneira”.

Nos últimos anos vem sendo implantado e desenvolvido em algumas universidades do país o curso de Bacharelado em Segurança pública que visa formar profissionais que pensem na segurança pública de uma forma ampla e crítica. Embora tenha sido criado a fim de proporcionar aos militares uma formação a nível superior, o mesmo tem sido atualmente direcionado a pessoas civis através de vestibulares, dinamizando o processo de conhecimento.

Apresenta-se por tanto uma necessidade, que é a de pensadores e uma solução, que é a formação, já existente, desses pensadores. No entanto, a situação não é tão simples assim, visto que não existe, redundantemente, área especifica de trabalho para esses pensadores, que são obrigados a se submeterem aos concursos públicos com vagas destinadas a nível médio ou concorrerem com a vasta gama de graduados de áreas diversas.

Como acontece rotineiramente no Brasil, acaba-se perdendo mão de obra especificamente qualificada por não haver percepção política e principalmente de gestão. Ao invés de somente capacitar, por que não utilizar e valorizar também aqueles que dedicam à própria carreira acadêmica em prol deste assunto.

Valorização esta que geraria mais dedicação desses acadêmicos que se encontram hoje a mercê do mercado de trabalho, e geraria também maiores informações para os mesmos, fato este que melhoraria a visualização dos problemas, visto que, às vezes, ainda é um pouco limitada por motivos diversos.

Motivos tal como o fato de ter docentes civis que tiveram pouca ou nenhuma participação ativa e direta com algum ato administrativo ou operacional dentro da área causando, eventualmente, unilateralidade de pensamento, logo de opinião e sugestão.

A capacidade teórica para formar opiniões é excepcional em qualquer um dos especialistas, o que diferencia são os fatos. Se não se vê os problemas, decisões, situações, momentos e circunstâncias fica-se a mercê das informações ofertadas pela mídia que na maioria das vezes são parciais e dotadas de vícios. Tornando-se assim mais complicado posicionar-se a respeito de algo sem abusar dos princípios de coerência e impessoalidade.

Pois, para ter um posicionamento mais lógico faz-se necessário deixar de fora as próprias crenças, ouvir todos os lados envolvidos, tentar perceber a situação em si e os fatos materiais encontrados, além do resultado exibido por peritos de diversas áreas para assim expressar um juízo de valor. Talvez se interrogue, de que essa função é de um juiz, mas é exatamente isso que um pensador é. Um juiz, que expõe o próprio entendimento de uma forma bem fundamentada a fim de estimular pensamentos, idéias, valores e atitudes, através de um pensamento lógico, coerente e persuasivo, a exemplo de tantos como a própria jurisprudência.

Assim, se fosse oferecida através dos meios necessários e viáveis a devida valorização, ter-se-ia profissionais altamente capacitados para o exercício pleno da atividade de planejamento e orientação da segurança pública, possibilitar-se-ia a quebra deste paradigma de que são poucos os pensadores da área, traria maior visibilidade do planejamento para a sociedade; por fim ter-se-ia o embasamento teórico para fundamentar as estratégias dos órgãos responsáveis pela garantia deste direito, economizando, inclusive, verbas publicas.






REPENSAR A SEGURANÇA




Este é o primeiro, de uma série de quatro artigos, escritos pelo jornalista Merval Pereira em sua coluna do jornal "O Globo".

Ao clamar pela descentralização da legislação para que cada estado possa ter suas próprias leis, de acordo com necessidades específicas, o governador do Rio, Sérgio Cabral, assumiu uma posição de vanguarda na política de segurança pública, afrontando um corporativismo que poucos políticos até hoje se arvoraram a enfrentar, e quando o fizeram não tiveram sucesso. Não se sabe, no entanto, de atuação decidida do senador Sérgio Cabral quando a proposta de emenda constitucional do senador Tasso Jereissati, que dava aos governos estaduais competência para legislar sobre segurança pública, inclusive sobre a atuação das polícias Civil e Militar, foi retirada da pauta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado devido a um forte lobby das corporações.

O senador Tasso Jereissati, que quando governador do Ceará tentou estabelecer um sistema unificado de atuação das polícias, diz que ao apresentar a emenda constitucional sofreu a maior pressão de toda sua vida política. Um ano depois, o deputado federal também do PSDB, Ricardo Santos, apresentou projeto semelhante, que não foi adiante.

O artigo 144 da Constituição, quando fala na segurança pública, diz que ela “é dever do Estado e responsabilidade de todos” e é exercida através de vários órgãos, entre eles as polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiros militar, o que engessa a estrutura dessas instituições, que têm que obedecer a regras iguais em todos os estados da Federação, quando é evidente que as necessidades do Rio são diferentes das de São Paulo ou das do Acre.

Da mesma forma, também o trânsito é uma competência da União, regulamentado por lei federal, e por isso é o Denatran que define as regras nacionalmente.

Quando chamou o diretor do Denatran de “burocrata de plantão”, por ter dito que a proibição de caronas em motos era ilegal, o governador do Rio exorbitou, pois o “burocrata” nada mais fez do que se reportar à legislação em vigor.

Tanto para legislar sobre o trânsito quanto para unificar a atuação das polícias é preciso mudar a Constituição, e um forte lobby se levanta quando o assunto é tratado.

Na Constituinte de 1988, a possibilidade de dar aos estados autonomia para decidir qual a melhor maneira de organizar seu sistema de segurança foi fortemente combatida pelo lobby das corporações militares. Na questão das motos, a experiência da Colômbia mostra que a proibição de caronas, e a obrigatoriedade de coletes identificativos com as placas reduzem a criminalidade.

Lá, os sicários a soldo dos traficantes matavam políticos, enquanto no Rio, embora várias execuções já tenham acontecido, o problema maior são os assaltos a carros.

Quanto à unificação das polícias, ou pelo menos a sua atuação conjunta, há um consenso entre os especialistas em segurança pública de que é um elemento fundamental para um combate efetivo à criminalidade.

O Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado no início do primeiro mandato do governo Lula, foi a primeira experiência, em nível nacional, de se pensar a repressão policial fora do imediatismo das emergências.

Ele toca em pontos cruciais como valorização e formação policial; interligação de bancos de dados, com informações nacionais sobre os crimes e os criminosos; e a recuperação da capacidade tecnológica de investigação e perícia nas polícias estaduais. E previa a possibilidade de atuação conjunta das polícias nos estados. Mas praticamente ainda não saiu do papel.

O idealizador do programa e primeiro secretário nacional de Segurança Pública, ligado ao Ministério da Justiça, foi o sociólogo Luiz Eduardo Soares, que foi boicotado insistentemente dentro do governo pelo então chefe da Casa Civil, o todo-poderoso José Dirceu.

Luiz Eduardo Soares atualmente é secretário municipal em Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro governado pelo PT. O prefeito Lindberg Farias criou, no início de 2007, a secretaria da “valorização da vida e prevenção da violência”.

Luiz Eduardo se diz “muito entusiasmado” com a sinalização do governador do Rio Sérgio Cabral, quando defende mais liberdade e maior autonomia para os estados, “porque defendo há muitos anos a desconstitucionalização da segurança pública”.

Para Luiz Eduardo Soares, cada estado deveria poder decidir se manteria o modelo de duas polícias estaduais, com ciclo de trabalho partido (ostensivo e investigativo), ou se criaria polícias municipais, metropolitanas, com ciclo integrado ou não, ou se unificaria suas polícias. Certa vez, em uma entrevista, ele definiu assim a questão: “O que precisamos é da unificação do ciclo do trabalho profissional policial, mas não necessariamente da unificação das polícias civil e militar. As polícias são esquizofrenicamente organizadas, porque a militar faz uma parte do ciclo de trabalho (ostensivo-preventivo) e a civil faz outra (investigativo, judiciário e repressivo)”.

Outra possibilidade seria manter um sistema em que polícias municipais se responsabilizariam pelos crimes de pequeno potencial ofensivo, enquanto as estaduais se ocupariam dos crimes violentos, mais graves e do crime organizado, enquanto a polícia federal, unificada ou não com a polícia rodoviária federal, se ocuparia dos crimes federais.

Todas as polícias a serem mantidas ou criadas, em cada estado, de acordo com a realidade de cada um, sem exceção, teriam de obedecer às regras do Susp, que regeriam a formação/treinamento, a forma geral de gestão, racionalizando-a, o que envolveria planejamento e avaliação de controle externo.

As regras do Susp harmonizariam as polícias, a despeito da eventual diversidade de suas formas organizacionais. “Assim, explodiríamos a camisade-força que impôs a todo o país esse legado histórico irracional, que são as estruturas organizacionais das polícias brasileiras”, diz Luiz Eduardo Soares.

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