sábado, 21 de março de 2009

Polícia ignora total de mortes de 95 a 2000

Documentos sobre o período foram destruídos; secretaria só contabiliza ocorrências de homicídio e não de vítimas

Responsável por criar, em 2000, sistema de estatística criminal do governo de SP afirma que foi preciso dispensar as cópias de BOs

MARIO CESAR CARVALHO
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não sabe qual foi o número de vítimas de homicídio entre 1995 e 2000. O órgão só contabiliza as ocorrências de homicídio -uma chacina com três vítimas é registrada como um só caso.
Os documentos que poderiam revelar a quantidade de mortos foram transformados em apara em 2000, durante a criação de um novo sistema de estatística criminal.
O buraco de informação existe justamente no período mais violento da história do Estado. O pico foi em 1999, quando foram assassinadas 15.719 pessoas, segundo o Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), que coleta esses dados em cartórios, para onde médicos enviam esse registro.
A diferença entre o número de vítimas e de casos de homicídio não é desprezível, segundo números do Seade e da Secretaria da Segurança. Entre 1996 e 2000, a polícia registrou 58.331 casos de homicídios (a contagem começou em 1995, mas não dá para incluir esse ano porque só foram contabilizados os mortos do 2º semestre). Já as vítimas somam 69.973 -o número é 11.642 superior ao de casos, ou 20% a mais.
O ano de 1998 também é sintomático para mostrar a diferença entre os casos de homicídios e as vítimas em cada uma das ocorrências de chacina, por exemplo. Naquele ano, a região metropolitana de São Paulo registrou 89 chacinas com 308 mortos -um recorde histórico.
Segundo o Seade, os homicídios vitimaram 81.464 pessoas no Estado entre 1995 e 2000. A segunda guerra do Iraque matou de 91.121 a 99.500 entre 2003 e 2009, segundo o Iraq Body Count, uma organização que privilegia a contagem de civis mortos no conflito.
"Jogamos tudo fora porque só recebíamos cópias de BOs [boletins de ocorrência] e já tínhamos extraído todos os dados desses documentos", diz Ana Sophia Schmidt de Oliveira, que criou o novo sistema de estatística criminal do governo paulista em 2000, quando dirigia o CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), da Secretaria da Segurança Pública.
A ideia, segundo ela, era se livrar de números sem utilidade para a polícia e passar a produzir estatísticas que servissem para direcionar o trabalho policial, com metas para a redução de crimes. O sistema que nasceu em 2000 é considerado por especialistas como um dos melhores do país.
Ainda segundo ela, os distritos tinham o original dos boletins de ocorrência. A polícia é obrigada a guardar os BOs por cinco anos. Hoje, para recuperar esses o número de vítimas de homicídio seria necessário fazer uma pesquisa nos livros de registro em todos os distritos do Estado ou nos inquéritos. Seria tão trabalhoso e caro que ninguém cogita uma pesquisa desse tipo.

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