Justificativa de tribunal do RS foi a má condição dos presídios e o tratamento dado a detentos
Presídio central da cidade foi interditado por falta de condições; desembargador diz que sociedade quer impor "suplício medieval" ao preso
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
Duas decisões da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, determinaram que dois condenados a reclusão em regime semiaberto por roubo cumpram pena em prisão domiciliar, porque os presídios gaúchos "estão como os piores da nação -o pior entre os piores do mundo", sem condição de abrigar presos.
Os três desembargadores citam a Constituição, pela qual "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral" e "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante".
"Estando o réu preso em estabelecimento incompatível/inadequado, deverá ser imediatamente posto em liberdade", diz trecho da decisão.
As decisões, da semana passada, foram seguidas da interdição de uma seção do Presídio Central de Porto Alegre pelo juiz Sidinei Brzuska, responsável pela fiscalização dos presídios, por falta de condições de abrigar presos, atendendo à solicitação do Ministério Público.
Em entrevista à Folha, o desembargador Amilton Bueno de Carvalho, relator dos casos, criticou o que chama de "fúria persecutória" da sociedade, que quer destruir o preso, impondo-lhe "um suplício medieval, gótico". Ele é conhecido por suas "decisões pouco ortodoxas", como define.
Nos acórdãos, os magistrados explicam que o Estado "deve cumprir as normas estabelecidas para o cumprimento de penas que impõe", o que, pelas condições das prisões, não acontece. "Todos sabemos que o Estado é violador dos direitos da população carcerária. E mesmo assim confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados."
Em 2005, o juiz da Vara de Execuções Penais de Contagem (MG), Livingsthon José Machado -que determinara a soltura de ao menos 43 presos de delegacias da cidade por falta de condições e vagas no sistema prisional-, foi afastado pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Os desembargadores do RS fazem um "mea culpa" por terem sido "coniventes" com o sistema penal. "Há contradição em se condenar alguém com base na lei e, depois, negá-la no momento da execução da pena." A medida só beneficia o caso julgado, não outros. Embora conte ter recebido elogios, Carvalho não acha que as outras sete câmaras criminais de Porto Alegre adotem a linha.
"Nossa tendência é agir assim em outros casos, e isso pode respingar pelo país. É difícil trabalhar com casos concretos e há situações em que não daria, como latrocínio e estupro."
O ministro Tarso Genro (Justiça) reconhece a falência do sistema e diz que a medida é "salutar". "Desde que os critérios sejam usados com prudência. O Estado se compromete com os direitos e salvaguardas de integridade física dos presos. É uma decisão que deve ser tomada com cautela."
Trecho
"O Estado é violador dos direitos da população carcerária. Sabemos das condições prisionais. E mesmo assim confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados"
trecho dos acórdãos
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