Moradores da favela Gabriela Mistral, na zona leste de São Paulo, queimaram três veículos após ação policial no local
PM diz que ato foi reação contra prisão de traficante; moradores afirmam que rapaz foi levado sem motivo e que policiais agrediram a mãe dele
A prisão de dois moradores da favela Gabriela Mistral, na avenida de mesmo nome, zona leste de São Paulo, ontem, por volta das 18h, deflagrou uma onda de protestos, depredações e confrontos com a polícia que interrompeu por pelo menos 50 minutos uma das principais artérias viárias da cidade, a marginal Tietê.
Segundo a polícia, a violência -que incluiu o incêndio criminoso de um ônibus articulado, de um caminhão de pequeno porte e de um micro-ônibus, além da montagem de barricadas com pneus queimados- foi a resposta de traficantes locais à prisão em flagrante de Vagner Barbosa da Silva, 19, ontem, dentro da favela.
No boletim de ocorrência consta que, com o rapaz, os PMs teriam encontrado dez papelotes de cocaína, quatro trouxinhas de maconha e cinco bolas de haxixe, além de R$ 10.
Moradores entrevistados pela Folha contestam essa versão. Dizem que a rebelião só ocorreu porque Barbosa da Silva foi preso sem motivo, quando jogava uma pelada no campinho; que a polícia bateu na mãe dele, Maria Cristina Barbosa, que correu ao local para socorrer o filho; que os policiais xingaram e agrediram com tapas no peito duas mulheres evangélicas que fotografavam a ação policial.
Beco dos evangélicos
"O que é certo é certo. Na semana passada prenderam três pessoas -dois menores e uma mulher- aqui, neste mesmo local, e ninguém protestou. Eles eram da boca de fumo mesmo. Mas agredir covardemente uma mãe e forjar um flagrante de tráfico contra um rapaz que tinha acabado de voltar do serviço é errado demais", disse A., que é diarista.
A jovem é evangélica, como quase todos os moradores do beco em que Vagner Barbosa e sua mãe foram presos. O beco estreito, moradores com Bíblias nas mãos, abriga duas igrejas com capacidade para cem fiéis cada uma -a Assembleia de Deus, Ministério Belém, e a Igreja Batista. A pichação, lá, envia a mensagem em letra firme: "Jesus é solução. Porque ele é Vida".
"A gente sabe que não foi o certo o que a gente fez. Mas pior seria não fazer nada e deixar a injustiça vencer sem luta", disse a operadora de telemarketing V., "evangélica, mas revoltada", na auto-definição.
Ontem à noite, no 10º Distrito Policial, uma mulher que não quis se identificar afirmou que estava no ônibus que seria incendiado no momento em que chegaram os manifestantes. "Vários portavam armas. Foi sob essa ameaça que eu e outros 40 passageiros descemos. Depois, atearam fogo."
A polícia diz que, além de Barbosa da Silva, prendeu mais dois homens. Na confusão do protesto, esses dois teriam sido libertados por amigos, e fugido.
A mãe de Barbosa da Silva está desempregada. Ganha a vida vendendo versões customizadas de chinelos Havaianas -ela costura miçangas nas correias de borracha e vende os produtos no mercado da Penha a R$ 10 o par. No boletim de ocorrência consta que sua detenção foi por "desacato à autoridade".
"Chutaram-na pelas costas para enfiá-la na viatura", disse o autônomo W.
O pai de Vagner Barbosa da Silva, Ronaldo Ferreira da Silva, 38, até admite que o filho é usuário de drogas. "Mas nunca um traficante. Eu e ele passamos o dia trabalhando em uma obra. Acabamos o serviço mais cedo e o Vagner foi para a quadra. Ele custeia o vício com seu trabalho", diz o pai.
Passava das 20h quando a Secretaria da Segurança Pública deu por controlado o protesto e fazia o rescaldo dos focos de incêndio e a retirada das carcaças dos veículos incendiados.
Dois PMs, uma soldado e um tenente, além de uma passageira de um dos ônibus incendiados estavam feridos sem gravidade -os policiais tinham sido atingidos por pedradas arremessadas por adolescentes.
Favela é dominada por facção
Assim como ocorre na maior parte das favelas de São Paulo em que existe tráfico, a Gabriela Mistral também tem a ação de criminosos ligados à facção PCC (Primeiro Comando da Capital).
Os traficantes são obrigados a pagar uma espécie de imposto para presidiários apontados como chefes do PCC. Em troca, os traficantes recebem proteção. Foi com parte desses recursos que, há três anos, o PCC promoveu a maior onda de violência da história de São Paulo ao atacar forças de segurança para protestar contra a transferência de detentos.
Grupo aproveita e faz arrastão entre os carros
Um grupo de criminosos se aproveitou da manifestação e dos bloqueios na marginal Tietê para fazer um arrastão contra motoristas presos no engarrafamento e atirar pedras nos carros.
"A marginal estava fechada com entulhos e vi um grupo de garotos de 16 a 17 anos andando no meio dos carros, contra o fluxo. Disseram: "Me dá tudo ou vai levar tiro". Antes de ir jogaram uma pedra e quebraram minha janela", disse o engenheiro Altamir Campos de Oliveira, 52.
Ele teve R$ 490 e um celular roubados e ainda assistiu a quatro outros assaltos.
A cabeleireira Lourdes Vieira Barbosa, 68, e sua filha Esli Vieira Thomaz foram assaltadas em seu carro ao entrarem em um desvio feito pela Polícia Militar.
"Fomos jogadas perto da favela. Vi muitos carros sendo assaltados por homens armados. Levaram nossas bolsas", disse Lourdes. As duas também afirmaram ter ouvido vários tiros, mas não identificaram de onde vinham.
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