quinta-feira, 23 de julho de 2009

Cracolândia

Em 1999 e 2005, blitze espalharam viciados no centro


A operação iniciada ontem na cracolândia é a terceira que envolve diversos órgãos públicos na tentativa de promover a revitalização de um pedaço histórico da cidade. Com a inauguração da Sala São Paulo, em julho de 1999, foi realizada uma intervenção - principalmente policial - na região. O então governador Mário Covas dizia que o equipamento cultural marcava o fim da cracolândia. Os viciados, porém, deixaram as imediações da Rua do Triunfo para se espalharem pelos Campos Elísios. Nova tentativa do então prefeito José Serra, em 2005, também resultou apenas na diáspora dos dependentes pelas ruas do centro velho.


Saúde e Segurança divergiram

Delegado chegou a dizer que usuários seriam internados à força

Diego Zanchetta e Renato Machado - O Estado SP

Logo no início da operação na cracolândia, por volta das 9h30, houve um mal-estar entre as duas áreas que mais deveriam estar em sintonia, na opinião de especialistas - no caso, Segurança e Saúde. De um lado, Aldo Galiano Júnior, delegado seccional do Centro, declarava que dessa vez haveria internação dos viciados de forma compulsória (forçada e com determinação judicial) e que a polícia até participaria do encaminhamento. “Chegamos à conclusão que esse tipo de usuário da cracolândia precisa mesmo ser internado”, dizia o delegado nas primeiras entrevistas.

A menos de 200 metros da pensão que o seccional vistoriava com suas equipes, o secretário municipal da Saúde, Januário Montone, tentava explicar à imprensa que a internação seria involuntária (mediante laudo médico e com autorização do Ministério Público Estadual). Ao ser informado da declaração do delegado, Montone se irritou. “Primeiro que delegado não deveria falar de internação, e eu estou até sendo grosseiro.”

Montone tentou encerrar a polêmica e dizer que também não comentaria uma outra reclamação do trabalho policial feita por agentes de saúde. O fato de a polícia ter chegado antes das 24 equipes do Programa de Saúde da Família na região dispersou os dependentes e dificultou a abordagem, segundo relatos de agentes. “Não quero comentar a ação policial”, disse.

As autoridades envolvidas na operação dizem que a diferença agora é justamente a possibilidade de tratar os dependentes em hospitais da rede pública. “Não existe a necessidade de separar o doente mental do interno comum. Basta mudar uma equipe e temos um leito psiquiátrico”, acrescentou Montone. No primeiro dia do trabalho dos agentes, foram feitas 120 abordagens, com 41 encaminhamentos para abrigos e ambulatórios e cinco internações. A reportagem acompanhou uma das equipes, que abordou um menino de 12 anos (veja abaixo) e um adulto que aparentava 30, que estavam juntos numa calçada da Alameda Dino Bueno. Eles recusaram o atendimento.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Álvaro Batista Camilo, disse que a intenção ontem “não era pegar ninguém de surpresa”. “O traficante, a Polícia Civil está monitorando há dias. Não quisemos fazer pirotecnia. Focamos na pessoa que quer sair dali.”

Psicólogo vê ação com ceticismo

DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA SP

O psicólogo Walter Varanda, que acaba de concluir doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP sobre moradores de rua e uso de drogas em São Paulo, diz que as ações já adotadas na cracolândia têm o efeito de somente levar essas pessoas para fora da região central.
Segundo ele, mesmo as atuais operações, que pretendem levar pessoas para abrigos ou hospitais, podem não dar resultado, porque não combatem o principal, que é dar condições para que as pessoas se reintegrem.
“De que adianta pegar o menino da rua e confinar numa sala? Tem que oferecer alternativas. Os próprios tratamentos [de saúde] precisam ser revistos”, disse ele.
Caso contrário, argumenta, será somente uma solução temporária e somente para o centro. É que as operações policiais fazem com que dezenas de usuários se desloquem para periferias.
“É só a manutenção da imagem de que é uma ação eficiente. Aí, começamos a falar de marketing político.”
A própria rede de albergues, afirma Varanda, na maioria das vezes, não ajuda. “Limitam-se a abrigar, a dar alimentos. Não se fala em requalificação profissional, de geração de renda.”
O psicólogo diz não aceitar alegações de que não há solução para o problema.
“O que não pode é tratar com visão catastrófica, de que não existe solução. A visão é equivocada, centrada no efeito da droga, mas a patologia é outra. O problema do sujeito não é lembrado.”
A população de rua de São Paulo, segundo estima o psicólogo, alcança hoje cerca de 12 mil pessoas -menos de mil são crianças e adolescentes envolvidos com o crack.

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