quarta-feira, 15 de julho de 2009

Medo, violência e política de segurança.




Olá, Pessoal

Hoje o Blog APGSP da uma excelente dica para alunos de Gestão de Segurança Publica, ou seja, o tema explora o Medo, violência e política de segurança.

Copie o link http://www.cpflcultura.com.br/aovivo/

A historiadora Vera Malaguti Batista participa do Café Filosófico CPFL em São Paulo nesta quarta-feira, dia 15 de julho, a partir das 20h30, com o tema "Medo, violência e política de segurança". A palestra faz parte do módulo "Subjetivações Contemporâneas", de Joel Birman. Colocaremos em discussão as problemáticas do medo que colocam em pauta a judicialização da política.
Vera Malaguti Batista é Mestre em História Social (UFF), Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, Secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia e autora dos livros "Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro" e "O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história", ambos pela editora Revan.

Participação
O público poderá participar enviando perguntas para o e-mail cpflcultura@cpfl.com.br, com o assunto “MEDO, VIOLÊNCIA E POLÍTICA DE SEGURANÇA”. As questões serão encaminhadas ao curador e poderão ser utilizadas nos encontros. As discussões também poderão ser acompanhadas pela transmissão ao vivo.


Serviço

Os encontros em São Paulo são realizados às quartas-feiras, às 20h30, no Tom Jazz (Avenida Angélica, 2331). A entrada é gratuita e por ordem de chegada, a partir das 18h30. Mais informações no site www.cpflcultura.com.br ou pelo telefone (19) 3756-8000.

Dica de livro Vera Malaguti Batista

Vera Malaguti, socióloga e secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC), em sua tese que virou livro: O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, trabalha o imaginário do medo no Rio de Janeiro em duas conjunturas: a história do medo na corte imperial e uma onda contemporânea de pânico na cidade. No império o período em que ocorreu a Revolta dos Malês na Bahia em 1835, e no século XX a conjuntura a partir das campanhas eleitorais de 92/94, nas políticas de segurança e nos discursos de medo presentes no cotidiano dos cariocas.


Segundo Vera, nas eleições de 92 os cariocas votaram com medo. Os adversários políticos da candidata Benedita da Silva chamaram os arrastões nas praias da Zona Sul do Rio de os “arrastões da Benedita” – e diziam que se Benedita ganhasse o caos seria implantado. Os meios de comunicação ajudaram os conservadores a trabalhar a idéia do medo no eleitorado sobre arrastões feitos por jovens negros e pobres das favelas.


Acontecimentos que governos trabalham com a difusão do medo como processo de funcionamento instigador que justifica políticas autoritárias de controle econômico, político ou social. Os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são considerados hoje fundamentais para a prática do poder do sistema penal, seja através dos novos seriados, da fabricação de realidade para produzir indignação moral ou pela construção de estereótipo do criminoso.


O Medo no Século XIX


Em janeiro de 1835, centenas de escravos ocuparam as ruas de Salvador na Bahia, liderados por malês – escravos africanos muçulmanos – enfrentando tropas armadas. Foi uma rebelião organizada com grande quantidade de escravos envolvidos. Os alvos eram somente os militares, excetuando-se civis e propriedade privada, e que resultou em dezenas de mortes, prisões, açoitamentos, deportação e mesmo penas de morte como o fuzilamento. O episódio resultou num dos maiores processos contra escravos da história das Américas. Esta insurreição foi uma das causa da onda de medo que agitou o Império.


A ocupação dos espaços públicos pelas classes dominadas produz fantasias de pânico do ‘caos social’, que se baseiam nas matrizes constitutivas da nossa formação ideológica.


Em 1849, o Rio de Janeiro tinha a maior população escrava urbana das Américas. A preocupação com a segurança se dava em todos os níveis. A partir da Revolta dos Malês, desenvolveu-se uma paranóia de defesa da propriedade. Os meios de difusão do medo eram a imprensa, o teatro religioso, as gravuras e a pregação nas igrejas.


O importante aqui na história do medo nos dois tempos, não é o que os discursos, mensagens e representações proclamam, mas principalmente o que escondem. No Brasil, a propagação do medo do caos e da desordem tem sempre servido para produzir estratégias para neutralizar e disciplinar o povo. O medo é a porta de entrada para políticas autoritárias e genocidas de controle social. Sigmund Freud dizia que a sociedade moderna passou a limitar a liberdade em nome da segurança.


Na sociedade brasileira a chegada do negro estremeceu a segurança cotidiana dos brancos. O negro seria a síntese da sujeira, insegurança, causador da impureza e desordem social, motivo para uma nova ordem ser introduzida.



O Medo Hoje



Nos dias atuais, os atos contra impureza dão-se em ações punitivas contra moradores da ruas, vagabundos, ociosos e a busca da ordem urbana contra camelôs, flanelinhas e mendigos pois estão fora de um mundo estético desejado e produzem mal-estar e insegurança. Para deter os indesejados marginais, encarcera-os. Encarcerando-os aumenta a indústria prisional, a polícia, os tribunais, os advogados, os equipamento prisionais. Mas se aumenta a população carcerária é porque aumentou o número dos desempregados, ou seja, os que não podem mais consumir e ter vida social.


Na cultura do narcisismo que vivemos, sempre segundo Vera Malagute, a sociedade do espetáculo exalta a individualidade, o que nos impede de enxergarmos o outro. As pessoas se sentem desamparadas e isto produz perturbações na alma e ao mesmo tempo a demanda e a oferta por drogas legais e ilegais é imensa. Como as drogas alteram estados da consciência são poderosas e mágicas frente ao terror e ao desamparo do indivíduo entregue a própria sorte. Na pós-modernidade a incerteza é um estilo de vida.


Há uma tendência para criminalizar o precário, deslocando tudo o que é público para o penal, um exemplo foi a operação “tolerância zero” em Nova York ao criminalizar pequenos delitos geralmente associados a pobreza: prisões de mendigos, bêbados, limpadores de pára-brisa, prostitutas. Em São Paulo preparou-se uma operação no estilo prendendo a população de rua. Prisões são fábricas de exclusão, e para o Estado, técnicas de obediência obrigatória que podem funcionar contra as multidões crescentes de desempregados é a construção de um gigantesco sistema penal.


Para se entender os direitos humanos no Brasil hoje, a socióloga defende que, antes, deve-se entender os efeitos históricos da instauração de um regime escravocrata e a implantação de um sistema penal do Estado Imperial de homicídio, mutilação e tortura da população afro-brasileira.

“No discurso de hoje, dizer que a juventude pobre é suja, imoral, vadia e perigosa formam o controle social no Brasil e informa o imaginário social para as explicações do problema da violência urbana”, afirma Vera.


A sociedade torna legítima a violência policial se a vítima é um suposto traficante. O mercado de drogas ilícitas favoreceu argumentos para uma política de violação dos direitos humanos contra jovens negros e pobres das favelas cariocas. Para muitos o discurso e as políticas de lei e ordem é produzida para justificar tortura e execuções de negros e pobres.


Quando o Papa João Paulo II esteve no Rio de Janeiro em 1997, foram mortos doze suspeitos. Os meios de comunicação não deram manchetes deste fato e o mesmo também se repetiu com execuções dos suspeitos do caso do assassinato do jornalista Tim Lopes.


A mídia preocupou-se com a queima de arquivo dos suspeitos, do que com as execuções em si. A divulgação pela mídia de imagens do terror produz políticas violentas de controle social. Nos dias atuais no Brasil milhões de pessoas não têm sequer certidão de nascimento ou carteira de identidade. Se estes são mortos por grupos de extermínio, nem são considerados desaparecidos, porque não existem juridicamente, são os desaparecidos de nascença.


Cidades Partidas


Existem pessoas partidárias do conceito do Rio de Janeiro como a “cidade partida” em que no contraponto estão favela e asfalto. Numa vigora a lei, na outra a mídia dá manchetes sobre favelas como lugares onde o império do terror domina, império do caos, a ameaça das favelas ao asfalto.

Discursos midiáticos que se referem a favela como lugar do mal são muitos. O governo precisa que a população sinta medo para levar a cabo suas políticas de controle social nas favelas ou nas prisões, herança escravocrata que aniquila pelo corpo e alma outros impuros.


Uma questão de invasão que causou estranhamento nos freqüentadores e trabalhadores em um shopping da Zona Sul do Rio, o Rio Sul em 2000, foi quando integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) foram passear no shopping. Para muitos, aquelas pessoas foram consideradas empecilho à higiene, limpeza e a ordem que vai contra os princípios da estética do shopping. Aqueles sem-tetos causaram mal-estar, angústia, apreensão, constrangimento e medo. Os comerciantes tiveram prejuízos no dia.


Na década de 1830 o Rio de Janeiro tinha aproximadamente cerca de 125.000 habitantes sendo que 44,4% eram de escravos. O Rio era considerada uma cidade africana.

Ainda assim, lembra a pesquisadora, o medo branco das insurreições escravas em 1835 faz com que seja editada uma lei de pena de morte para qualquer delito escravo contra o senhor, o feitor ou seus familiares.


Leis municipais puniam comerciantes com multa e prisão caso permitissem que um negro demorasse mais tempo que o necessário para as compras no estabelecimento. Batuques e algazarras eram punidos com prisão. O número de açoites era conforme a idade e robustez do escravo. Alugar uma casa a escravo: oito dias de prisão. Uma senhora podia costurar a língua da escrava com o lábio inferior.


Instalado Dom João e família, criou-se no Rio de Janeiro a Guarda Real de Polícia encarregada de manter a ordem e perseguir criminosos. Para fazer parte da guarda, o requisitos necessários dos candidatos eram que fossem pobres e com fama de violentos. A guarda usava métodos de terror e brutalidade em plena praça pública como surrar um suspeito (escravo) fazendo com que as carnes deste descascassem antes mesmos deste ser julgado. Em 1850, 65% das detenções eram por ofensas públicas e não crimes, nesta época o açoite sai da rua e vai para a prisão em um processo modernização do sistema de repressão.


Tecnologia e medo


A revolução tecnológica do século XX abriu caminho para uma nova etapa de poder da globalização. O poder público precisa mais do que um discurso político, precisa também das agências de comunicação. Políticos não pautam, são pautados. Vera cita em sua tese diversas falas do seu marido Nilo Batista que foi secretário de Polícia Civil de Justiça e vice-governador o Rio de Janeiro de Leonel Brizola (1990-1994): “Nunca sabemos se, em nossas pequenas transgressões diárias, teremos alguma câmara escondida”, daquilo que Batista denunciou como a maior delegacia de polícia do Brasil, o Jornal Nacional.


Vera destaca em um capítulo do livro a medicina do século XIX, principalmente da década de 30, investimentos em higiene pública e maior demanda da polícia sanitária cujo alvo era a população das cidades. Preocupação com ruas cheias de africanos e medo, fezes à deriva, sujeira por toda parte. Para os brancos, os africanos eram tão perigosos quanto as doenças endêmicas.


Artigos da época ressaltavam como era perigoso entregar bebês às amas-de-leite negras para o aleitamento já que, de acordo com a inteligência médica, através do peito das negras as crianças brancas sugavam todo tipo de vícios. Muitos senhores de escravos jogavam fora nas ruas e praças seus escravos doentes agonizantes e nus tal como jogavam lixo. Eram tantos mortos nas ruas que os viajantes estrangeiros não precavidos que chegavam à cidade ficavam horrorizados. Hoje traficantes-favelados-negros mortos pela polícia têm os corpos amontoados nas lixeiras da cidade e em carrinhos de mão, tudo televisionado.


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O Medo na cidade do Rio de Janeiro: Dois tempos de uma história

Vera Malaguti Batista

Ed. Revan

Rio de Janeiro, 2003

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