quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Os dilemas da atividade policial
O Secretário da Segurança de São Paulo tocou em ponto nevrálgico da estrutura das polícias brasileiras: sua ineficiência no controle da criminalidade. Não obstante os importantes resultados no controle de crimes alcançados em alguns Estados, tais como os homicídios em São Paulo ou os crimes violentos contra o patrimônio em Minas, os números ainda são tímidos se considerarmos a magnitude dos problemas no Brasil.
Seria ingenuidade relegar apenas à polícia esta tarefa. Contudo, temos um problema gerencial que merece discussão. Não por acaso, de 50% a 80% de policiais (civis, militares e guardas-civis) indicam a necessidade de mudança do modelo de polícia, segundo pesquisa divulgada pela Senasp. Daí que o tema da reforma das polícias surja recorrentemente na pauta de gestores e de especialistas.
O maior problema, sem dúvida, é a duplicidade organizacional das polícias, que as leva a serem, nas palavras de Marcos Rolim e Luiz Eduardo Soares, "polícias pela metade", frequentemente assumindo prerrogativas da outra e em eterno conflito latente.
Outra pesquisa, coordenada pelo carioca Michel Misse em vários Estados, apontou tema igualmente crucial: o inquérito policial. Só de 15% a 20% dos inquéritos de homicídios são solucionados nesses Estados. Nos casos de crimes contra o patrimônio, é provável que o resultado seja inferior a dois dígitos. E um dos motivos mais relevantes tem a ver com a forma como é desenvolvido o inquérito, no qual o formalismo passa a ser mais importante que a investigação propriamente dita.
Mas este é um verdadeiro dogma no interior das polícias civis. Trata-se de uma peça do século 19 que pretende enfrentar problemas do século 21. Foi criada em 1871 e ainda é usada para enfrentar a complexidade dos problemas contemporâneos, de terrorismo cibernético a redes criminosas internacionais. É um traço genético resiliente que marca nossa estrutura de polícia, mas que poderia ser concebida de forma distinta.
Em muito países, o que temos são investigações conduzidas, por exemplo, por Ministério Público ou juízes, que se encarregam dos procedimentos jurídicos formais e de salvaguarda dos direitos dos investigados, liberando os bons policiais para sua atividade fim. Além disso, temos a duplicidade de procedimentos, que leva vários juristas a se questionarem da racionalidade deste processo.
Mas seria injusto atribuir apenas ao inquérito todas as mazelas. Daí a necessidade de uma ampla reforma, inclusive no plano legislativo, que atinja de forma profunda nosso processo penal. O labirinto no qual reside a impunidade brasileira encontra expressão nas dezenas, talvez centenas, de subterfúgios ali existentes. Mas não se pode negligenciar a necessidade de microrreformas gerenciais que busquem conferir mais centralidade às bases territoriais, bem como o desenvolvimento de uma base mais técnica para as investigações.
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CLAUDIO BEATO é coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, da UFMG
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