domingo, 27 de setembro de 2009

A função da pena judicial


DO BLOG DO LUIS NASSIF

Por Jotavê

A esquerda precisa passar pela discussão corajosa da questão das penas. Só teremos um discurso sustentável para tratar um caso como a dessa menina quando tivermos um discurso sustentável para tratar do caso do Marcola.

A primeira coisa que deveríamos abandonar é a idéia tola de que a função da pena seja recuperar, ou coisa assim. A idéia é tola no sentido de que é evidentemente falsa. Há um sentido inscrito nas penas em geral – seja a cruz, a forca, a chibata, as galés, a cadeia, ou os serviços comunitários. Esse sentido é a punição. Esqueçam essa besteira de “ah, mas a lei diz que a função é recuperar”.

Em primeiro lugar, a lei poderia dizer que a função da pena é regular o ciclo menstrual das girafas, e isso não mudaria coisa nenhuma. Em segundo lugar, quando a lei diz que um dos objetivos da pena é “recuperar” o preso, ela está dizendo (e isso é tudo que ela pode dizer) que a pena deve incluir mecanismos de ressocialização, e não deve ser aplicada de modo a dificultar que essa ressocialização ocorra. Mas pena é pena. É castigo. É dor, em alguma medida e em algum sentido. Querer escapar disso é de uma burrice absolutamente atroz. É lutar contra a língua, em primeiro lugar, e contra toda a história da humanidade, em segundo.

O que é uma pena? É um tratamento geralmente cruel (em algum grau) e certamente degradante (em algum grau) que infligimos a alguém que transgrediu determinadas leis. Com que finalidade? Basicamente, para pôr medo nas pessoas que ainda não infligiram essas leis. É um mecanismo de controle social – o controle pelo medo. Mas, numa sociedade submetida ao estado de direito, esse castigo é ritualizado e previsto em lei. O camarada que é condenado à morte, é condenado a morrer na forca, ou na cadeira elétrica, e assim por diante. Deveria ser assim também com as prisões. Mas não é. Ser recolhido a uma prisão pode significar muitas coisas muitíssimo diferentes entre si. Uma coisa é passar um ano preso numa cela superlotada, sem lugar para dormir, nem para defecar. Outra coisa muito diferente é passar um ano preso numa colônia agrícola. Uma coisa é poder pagar para comer todos os dias uma comida diferente, vinda de um restaurante.

Outra coisa é ter que engolir a gororoba servida aos presos comuns. Uma coisa é poder desfrutar de chuveiro quente dentro da cela. Outra é tomar banho de um cano saído da parede. Uma coisa é poder assistir televisão todos os dias no aparelho que a família comprou para você.

Outra é não ter família que leve essas regalias para você dentro da cela. O que falta ao nosso sistema penal é, antes de mais nada, RITUALIZAÇÃO da pena. Sem isso, fica difícil cobrar condições carcerárias. Fica sempre muito subjetivo avaliar se as condições de um presídio são “desumanas”, ou “degradantes”. Até porque, cadeia É E TEM QUE SER DESUMANA, CRUEL E DEGRADANTE em alguma medida. A idéia da pena é essa. Tem que ser essa. Não pode ser outra.

A idéia dos serviços comunitários envolve muito mais a humilhação do que a degradação – muito embora muitas pessoas possam sentir assim a obrigação de ficarem expostas publicamente durante a execução de um serviço. De mais a mais, serviços comunitários não é solução para o problema geral. Teremos que conviver com prisões por muito tempo. E trancafiar alguém numa jaula durante anos É ALGO CRUEL E DEGRADANTE – quer sua sensibilidade de esquerda esteja disposta a admitir isso, ou não.

Temos que sair dessa gangorra. A direita propõe a cadeia do jeito que o diabo gosta para segurar a revolta social enquanto o desenvolvimento não chega. Acham políticas sociais contraproducentes, e apostam, no fundo, numa superação futura da miséria presente por meio de crescimento econômico puro e simples. (Estou pensando aqui nos melhores casos, é claro.)

Já a esquerda fica catatônica quando se trata de discutir penalidades. Preferem mudar de assunto. Aí, quando a criminalidade bate no queixo das pessoas, sempre aparece um Paulo Maluf para articular aquele discursinho malandro do “é pau, é pau, é paulo maluf neles!!!” Nós temos que ter um discurso alternativo. Temos que definir claramente uma política de penalidades que caiba no orçamento do Brasil atual. Sem isso, vamos continuar vocalizando um discursinho cor-de-rosa que não leva a nada.

COMENTARIO


O direito penal está em crise porque o discurso pró-punição está desacreditado e a idéia de ressocialização não funciona. Aqui no Brasil já se sabe que não dá para ressocializar ninguém. O próprio preso quando sai para um regime mais brando (semi-aberto) já tem a intenção de voltar a delinqüir. O preso sai da prisão “descabelado” isto é, completamente sem nada no bolso. Somente maldade no coração. As prisões já não produzem suficientemente medo para limitar a criminalidade. De fato, a esquerda precisa para de discutir Michel Foucault (viga e Punir) e começar a aceitar que a prisão tem mesmo que produzir medo para limitar a criminalidade. Isto é, Estado moderno pode justificar o castigo como punição. Quanto à direita, esta dever abandonar a idéia de que penas maiores de prisão aumentem a segurança. Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança. Enfim, fincaremos patinando em um discurso que não leva a nada senão avaliarmos as questões atinentes a da questão das penas.

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