terça-feira, 12 de maio de 2009

63% das mortes de civis durante ação do PCC são arquivadas

Entre 12 e 21 de maio de 2006, 170 pessoas foram mortas em ataques, das quais 89 são vítimas de atentado com "característica de execução"

Levantamento foi realizado pela Folha com base nos documentos da Ouvidoria, órgão com função de fiscalizar as polícias Militar e Civil

ANDRÉ CARAMANTE
LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Três anos depois da maior onda de violência da história de São Paulo, quando a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) atacou em maio de 2006 as forças de segurança, 63% dos assassinatos de civis em que a própria Ouvidoria da Polícia apontava fortes indícios de excessos cometidos por policiais foram arquivados.
Levantamento feito pela Folha com base nos documentos da Ouvidoria, órgão com função de fiscalizar as polícias Militar e Civil, revela que, entre 12 e 21 de maio de 2006, período mais crítico dos ataques do PCC, aconteceram 102 casos em que policiais foram suspeitos de matar 170 pessoas.
Como as investigações não são centralizadas, não é possível saber o motivo do arquivamento de cada caso. Nem se a decisão de encerrar a investigação partiu da Polícia Civil, da Promotoria ou da Justiça.
Do total de 170 mortos, 89 foram vítimas de 54 atentados com "características de execução" (sem chance de defesa para a vítima). Dos 54 casos, 33 já estão arquivados e 16 continuam em andamento.
Em dois deles, dois PMs foram pronunciados, ou seja, deverão ser levados a júri pelas mortes; em outros dois casos, os autores foram identificados e não são policiais. Em um caso, um PM identificado como autor do crime foi morto e o caso acabou sendo arquivado.
As outras 81 pessoas foram mortas por policiais em 48 supostos casos de "resistência à prisão seguida de morte".
Entre essas 48 ações, 31 foram arquivadas (algumas porque a versão dos envolvidos foi confirmada) e 12 ainda estão sendo investigadas.
"É mais uma história de impunidade, bastante parecida com a que vivemos na ditadura. Naquele período, São Paulo enfrentou números de guerra e, até hoje, não temos respostas para aquelas mortes", diz Rose Nogueira, do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).

Direitos Humanos
Hoje, entidades de direitos humanos que acompanham as investigações sobre as mortes de maio de 2006 realizam um ato público no Cremesp (Conselho Regional de Medicina) para cobrar providências do governo em relação à apuração.
Um dos casos classificados como exemplo de impunidade será apresentado pela ONG Conectas: em 14 de maio, cinco jovens foram mortos no Parque Bristol (zona sul). O crime foi investigado como cometido por PMs, já que, segundo testemunhas, as vítimas vinham sendo ameaçadas por policiais. O caso acabou arquivado.
Uma das principais reivindicações será a unificação e a divulgação, pela Secretaria da Segurança, dos resultados das investigações dos 493 assassinatos (incluídos os 170 acompanhados pela Ouvidoria) no Estado durante os ataques naquele período. Nesse total estão casos como brigas de vizinhos.
"O fato de a Secretaria da Segurança Pública não divulgar um relatório único sobre as mortes ocorridas em maio de 2006 demonstra uma decisão política", disse Antonio Funari Filho, ouvidor da polícia de SP.

Secretaria da Segurança não se pronuncia sobre as investigações


A Secretaria da Segurança foi procurada ontem, mas não se manifestou sobre as investigações dos 493 homicídios ocorridos em maio de 2006, durante a primeira das três ondas de ataques do PCC naquele ano.
A reportagem solicitou à secretaria a indicação de um representante para prestar esclarecimentos sobre aquelas mortes, inclusive a dos 43 integrantes das forças de segurança, mas o pedido não foi atendido até a conclusão desta edição.
A Segurança Pública também não esclareceu os 54 casos (com total de 89 vítimas) com "características de execução" e nos quais a Ouvidoria da Polícia de São Paulo reuniu indícios de participação de grupos de extermínio que contam com a participação de policiais.
Como a pasta não indicou representante para falar, os resultados das investigações sobre os 48 casos de "resistência à prisão seguida de morte" (81 mortos) da época também ficaram sem esclarecimentos.
Por meio de nota oficial, o Comando Geral da PM informou que os homicídios em que seus integrantes são envolvidos passam por uma investigação administrativa e que são analisados pela Promotoria.
"Desse modo, eventuais ações abusivas são devidamente apuradas, e seus responsáveis, punidos no rigor da lei. Contudo, não se têm notícias sobre abusos praticados por policiais militares à época dos fatos, tendo todas as denúncias recebidas sido devidamente apuradas. Ocorreu, sim, uma pronta resposta da PM em razão da violência extremada praticada por criminosos, sendo tal resposta empreendida na medida do potencial agressivo utilizado", diz a nota. (AC e LK)

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