segunda-feira, 8 de março de 2010
Rio imita Medellín e busca mudança
Cidade aproveita trégua da violência e tenta aplicar no Complexo do Alemão ações adotadas na Colômbia
RIO
Na Rua da Grota, principal acesso ao Complexo do Alemão, conjunto de 12 favelas no Rio onde vivem 170 mil pessoas, em vez das barricadas erguidas por traficantes para impedir a entrada do Caveirão, blindado da polícia que cospe fogo para todos os lados, existem entulhos de casas que foram desocupadas para o alargamento da rua.
No Largo do Coqueiro, em cima do morro, a Igreja Batista ainda tem paredes e vitrais marcados pelas balas da operação policial ocorrida em 2007, que deixou 19 mortos. Mas o ambiente mudou no cume da Montanha do Itararé. Na quinta-feira, um canteiro de obras funcionava a todo vapor, com mais de 100 pessoas trabalhando em turnos seguidos, para conseguir entregar até setembro as cinco estações planejadas do teleférico que vai levar diariamente 30 mil pessoas, em um percurso que sai do asfalto e passa pelas cinco montanhas que formam o Complexo do Alemão.
Inspirado em programas desenvolvidos na cidade colombiana de Medellín, com orçamento de R$ 750 milhões, quase metade vinda do Programa de Aceleração e Crescimento (PAC), o Governo do Rio finaliza atualmente um pacote de investimentos sociais que pretende transformar a região. Além do teleférico, que vai consumir R$ 172 milhões, serão construídas escolas, um centro cívico, parques, residências e ruas comerciais, entre outras obras que já consumiram R$ 389 milhões.
Conforme publicou ontem o Estado, apesar dos investimentos sociais feitos em Medellín, os homicídios voltaram a crescer 177% nos últimos dois anos. O repique da violência ocorreu depois da extradição para os Estados Unidos do chefe da Oficina de Envigado, Diego Murillo, conhecido como Don Berna, cuja ausência provocou um racha e disputas por poder.
TRÉGUA NO ALEMÃO
No Rio, para tornar viáveis os investimentos em uma das áreas mais conflituosas da cidade, uma complexa engenharia social vem sendo montada com a participação de entidades da sociedade civil, que fazem a intermediação de interesses do governo, comunidade e traficantes. Dessa forma, ajudam a manter em trégua a região do Complexo do Alemão.
A partir dessas conversas, os traficantes se comprometem a não atrapalhar as obras. Como não há confusão, os policiais não sobem o morro. E as empreiteiras podem cumprir seus prazos sem grandes percalços. "Todos querem as obras aqui na comunidade, inclusive os traficantes, que têm familiares e amigos no Alemão. Por isso, os trabalhos estão seguindo bem", explica o coordenador executivo do AfroReggae, José Júnior, peça chave na mediação entre as partes.
Quando existem problemas com traficantes ou moradores, integrantes do AfroReggae e lideranças comunitárias são chamadas para interceder. "Quando isso acontece, a gente desenrola. Mas atualmente tudo está tranquilo porque não tem mais operação policial. Sem operação, não tem morte", diz o funcionário de apoio Jonas Fonseca, de 35 anos.
A vulnerabilidade dessa trégua, contudo, ficou evidenciada em fevereiro. No dia 7, três operários da empresa Lafarge foram assassinados no Morro da Fazendinha, quando seguiam para o trabalho em uma pedreira. As obras não fazem parte dos investimentos do PAC e o crime não teve grandes repercussões no andamento dos trabalhos. A polícia apurava se o crime foi cometido por traficantes ou policiais.
TRANSFORMAÇÕES
As transformações no Complexo do Alemão começaram a ocorrer depois da operação policial de junho de 2007, quando articulações começaram a ser feitas para evitar novos traumas no local que é considerado o QG do Comando Vermelho no Rio. Entusiasmado com a visita que havia feito em março do mesmo ano a Medellín, o governador Sérgio Cabral (PMDB) definiu que o Alemão receberia teleféricos semelhantes aos colombianos. Engenheiros passaram a viajar para aprender na Colômbia a tecnologia e a operação desse meio de transporte.
Para que as obras andassem, no entanto, assim como em Medellín, era preciso contar com a pacificação dos conflitos na região. Um fato importante ocorrido em novembro de 2007 facilitou o processo. O Morro do Adeus, que vai dar lugar a outra estação de teleférico e era dominado pelos traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP), foi tomado pelo Comando Vermelho, que assumiu o controle do Alemão. Como na cidade colombiana, a hegemonia de uma facção arrefeceu a violência.
"Cheguei a temer que a rivalidade entre as facções pudesse tornar inviável o funcionamento do teleférico, já que o transporte cruzaria um território dividido", diz Wagner Nicacio, o Bororó, líder comunitário da Grota, uma das comunidades do Alemão. "Agora que só uma facção comanda os morros, a situação acalmou. Nunca vivemos período tão tranquilo."
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