terça-feira, 8 de junho de 2010

As propostas de Marina para a segurança pública



Na quinta-feira que vem, dia 10, Marina Silva será confirmada como candidata à presidência em convenção do PV, em Brasília. A expectativa é que até lá o programa de governo esteja concluído. Uma das áreas centrais no programa será a segurança pública. Conversei com Luiz Eduardo Soares, o idealizador das propostas de Marina nessa área, sobre os itens que devem constar nesse programa.

Soares é antropólogo, cientista-político e co-autor do livro Elite da Tropa (que inspirou o filme Tropa de Elite). Foi coordenador da área de segurança pública no Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, e Secretário Nacional de Segurança Pública no governo Lula. É amigo de Marina desde o tempo em que ambos estavam no PT. Soares acredita que esse ano o tema poderá ser mais incorporado à campanha presidencial. Esse movimento já começou com menções por parte dos candidatos ao crack e ao tráfico de drogas e armas. O candidato do PSDB, José Serra, chegou a propor a criação de um Ministério da Segurança. Soares classifica a proposta de mero “fetiche”. “Não vai adiantar ter um ministério sem que o governo federal se envolva mais nas questões de segurança, sem uma reforma no sistema”, diz.

Época – Quais são os principais pontos de um plano de segurança do governo da Marina?

Soares – A proteção e a defesa da vida é a prioridade da segurança pública. Parece retórico e valorativo, moral, distante da instância prática, mas não é retórico. Quando você define a vida como prioridade absoluta na política de segurança pública e a garantia das liberdades há um foco de convergência nas metas e nas instituições. Vou dar um exemplo de como isso não acontece hoje. No Rio de Janeiro um rapaz foi alvejado quando fazia um furo na parede de sua casa porque usava uma furadeira que foi confundida com uma arma por um policial do Bope [Batalhão de Operações Policiais Especiais] que assistia à cena. Como é possível que tenha acontecido isso? Seria ingênuo achar que foi uma mera confusão visual. O comandante do Bope disse que lamentava e era um equívoco. Perguntado se era certo atirar em alguém armado ele disse que sim, que era certo atirar em alguém armado. Isso sugere que é possível matar um ser humano sem que ele esteja naquele momento representando pra quem o mata um risco iminente de morte ou para terceiros. A legislação diz que só é legítimo atingir alguém no caso de legítima defesa de si mesmo ou de terceiros. Mas isso sequer foi aventado. Vivemos na suposição de que estamos numa guerra ou de que é lícito matar pela segurança pública. No Rio de Janeiro entre 2003 e 2009 houve 7854 mortes provocadas por ações policiais. Dessas mais de 75% foram execuções extra-judiciais. Nos Estados Unidos matam-se por ano, em média 300 ou 350 civis. No Rio, matam-se mais de mil pessoas por ano.

Época – Mas como resolver a atual situação?

Soares – No Rio de Janeiro os policiais são os mais mal pagos do país. Não é que eles ganhem mal e por isso se tornem pessoas violentas, recorram ao crime para compensar o baixo salário. Há um fenômeno nacional: os policiais, que ganham muito mal, têm de compensar essa situação com um segundo emprego. Para completar sua renda eles atuam na área em que são especializados, na segurança privada. E isso é ilegal. Mas as autoridades fecham os olhos e não reprimem o bico para que o orçamento público da área de segurança não entre em colapso. O orçamento de segurança pública é complementado pelo bico informal e ilegal e entraria em colapso se o segundo emprego fosse efetivamente reprimido porque os policiais encaminhariam as demandas salariais com grande mobilização e pressão. Hoje o orçamento de segurança pública na verdade é artificial. A segurança pública é na prática financiada pela segurança privada ilegal e informal. Essa omissão das autoridades tem aspectos benignos e malignos: fecha-se os olhos a quem trabalha honestamente, mas fecha-se os olhos também para as modalidades de crime organizados, particularmente as milícias. A partir dessa imensa negligencia, os policias se organizam nessas estruturas clandestinas, chantageando a população, e o resultado a médio prazo é mais do que grupos de extermínio, são as milícias. A segurança pública brasileira foi privatizada de uma maneira selvagem. Para resolver isso o orçamento público não pode ser artificial, você tem que pagar aos policiais o que é necessário para que eles sobrevivam com o mínimo de dignidade e o que é compatível com os riscos que enfrentam. O cálculo das prioridades no Brasil tem que ser alterado. Pensar no salário e valorização dos policiais.

Época – De onde viriam os recursos para aumentar o salário dos policiais?

Soares – Se nós estivéssemos em guerra essa pergunta seria feita num outro sentido. A pergunta seria de onde vamos tirar os recursos pressupondo que vamos retirar. É preciso que tenhamos um piso nacional para o salário policial com o apoio do governo federal e terá que ser feito um esforço para priorizar isso.

Época – Mas só aumento de salário para os policiais resolve?

Soares – Não. Esse é o ponto mais delicado que eu duvido que outros candidatos tragam. O Brasil fez a transição democrática, a Constituição de 1988 consagrou as mudanças mas isso não incorporou a segurança pública. O modelo policial foi herdado da ditadura e só existe no Brasil: duas polícias, militar e civil, e o governo federal isolado, distante. Guardas municipais num limbo legal, numa zona de sombra. Toda a responsabilidade sobre os estados. Mais de 70% dos policiais acham esse modelo equivocado e desejam sua mudança. Marina vai trazer isso, acho. Ela virá a se pronunciar sobre isso.

Época – E qual seria o modelo adotado?

Soares – Serão necessários uns 10 anos para completar a mudança. A presidente deverá entregar em 6 meses ao Congresso Nacional a proposta de mudança, um novo modelo. As opções são de integrar os ciclos: acabar com a história de que uma polícia investiga e a outra faz trabalho preventivo. Ou você faz uma grande unificação, o que hoje pouca gente defende, ou divide a polícia por territórios ou por tipo criminal. Nos Estados Unidos há a polícia que cuida só do crime organizado, só de homicídio. Mas isso não deve ser objeto de jogo eleitoral. Mas tem que ser criteriosamente decidida. Outra questão importante para a polícia é o fato de o sujeito não poder se desenvolver na carreira, em geral tem que prestar outro concurso para subir na hierarquia. Em um novo modelo policial isso também seria alterado.

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